A liberdade que temos. Temos?

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Foto da Brodie Vissers do Burst

Segundo Isaiah Berlin, a liberdade é conquistada e, portanto, é negativa porque se refere à ausência de restrições. Existe uma luta contra as interferências externas nas liberdades individuais. Desse modo:

As lutas pela liberdade travadas por indivíduos, grupos ou comunidades são normalmente concebidas como esforços empreendidos por determinados indivíduos no sentido de destruir ou neutralizar o poder de serem coagidos a agir contra seus próprios desejos, poder este detido ou usado por algum individuo ou grupo de pessoas. [BERLIN, 2009, p. 216].

Deste modo em que a liberdade é justamente a ausência de limitações. Não há como não entender a liberdade como negativa, algo que Berlin deixa claro em outro trecho, inclusive ilustrando sua explicação:

A liberdade política é assim um conceito negativo: exigi-la é exigir que dentro de uma certa esfera um homem não seja proibido de fazer o que desejar, e que não seja proibido de fazê-lo, quer possa de fato realizá-lo, quer não. Um aleijado não é proibido de caminhar direito, embora não possa de fato fazê-lo; nem um homem é proibido de voar para a Lua, embora de fato, diante das circunstancias, não esteja em condição de fazê-lo; mas não costumamos falar de um homem como não sendo livre para voar até a Lua, nem do aleijado como não sendo livre para caminhar direito. [BERLIN, 2009, p. 217 e 218].

Entretanto se precisarmos de uma afirmação direta e cabal de que a liberdade é a ausência de interferências, não resta mais nenhuma dúvida depois que Berlin afirma sem nenhum rodeio que:

A liberdade em seu sentido político, não metafórico, significa ausência de interferência por outros, e a liberdade civil define a área da qual a interferência de outros foi excluída por lei ou código de conduta, seja este “natural” ou “positivo”, dependendo do que a lei ou o código em questão tenha sido concebido para ser. [BERLIN, 2009, p. 216].

Dentre os liberais, um utilitarista se destacou com relação às ideias sobre liberdade: Jeremy Bentham. Na sua teoria, ele praticamente desconstrói a ideia persistente de liberdade, retirando-a ainda mais o status de coisa-em-si já que ela não existe nem mesmo em oposição a outro perene que garanta sua perenidade. Ele acreditava que:

A liberdade é […] liberdade contra – contra tolos e patifes, interesses locais e governos ambiciosos ou opressivos, inimigos no exterior, e conterrâneos indolentes ou estúpidos, egoístas ou misantropos, puritanos ou fanáticos, ou simplesmente intolerantes e preconceituosos. A liberdade só é um ideal enquanto estiver ameaçada; como a guerra e a ciência econômica, ela deve ter como fim supremo abolir as condições que a tornam necessária; a sociedade ideal não seria consciente da necessidade de liberdade. Pois a liberdade é uma simples garantia contra a interferência, e só sentimos a necessidade de garantias quando existe a ideia desses perigos, que para serem evitados nos levam a providenciar tais garantias. [BERLIN, 2009, p. 225].

Interessantemente, essas ideias liberais vão contra ideias modernas caras a eles mesmos: toda uma corrente racionalista desde Kant até mesmo Fichte ou Hegel, pois para cada um destes, a seu modo, a liberdade está em se adequar a uma realidade. Quanto mais o indivíduo é sujeito à razão, mais livre ele é. Seja às leis e normas em Kant, seja à história em Hegel. Vejamos o que diz Fichte:

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Nobre ou Hegel, acerca do conhecimento.

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Foto da Gordon Hatusupy do Burst

Já escrevi alguns textos aqui expondo a concepção de vários filósofos, os quais aos seus modos particulares demonstram como a leitura da realidade é sempre feita através de filtros. E que embora, teoricamente, possamos ter acesso á COISA-EM-SÍ esta não acontece ao nível do conhecimento, da apropriação ou do uso desta, nem quiçá da contemplação da mesma, pois mesmo contemplando desejamos ter uma noção, sensação do que é.

Assim deixemos Nobre traduzindo Hegel falar (Introdução da Fenomenologia do Espírito):

É uma representação natural de que seria necessário na filosofia, antes de ir à coisa mesma, ou seja, ao conhecer efetivo do que em verdade é, entender-se previamente acerca do conhecer, que é considerado como instrumento por intermédio do qual se se apoderaria do absoluto, ou como o meio mediante cujo o intermédio se o divisaria. A preocupação parece justa: em parte, haveria diversas espécies de conhecimento e, dentre elas, uma poderia ser mais apta do que outra para a consecução deste fim último, com o que também uma falsa escolha entre elas; de outra parte, sendo o conhecer uma faculdade de espécie e âmbito determinados, sem uma determinação mais exata da sua natureza e limites, apreendem-se nuvens de erro em lugar de céu de verdade. Essa preocupação tem até de se transformar em convicção de que a aquisição para a consciência, mediante o conhecer, de todo o início, do que é em si, seria um contrassenso no seu conceito, e de que entre o conhecer e o absoluto cairia mais um limite que os separaria sem mais. Pois se o conhecer é o instrumento para se apoderar da essência absoluta, então salta imediatamente aos olhos que a aplicação de um instrumento a uma coisa não a deixa tal qual é para si, mas procede com isso a uma informação e a uma alteração. Ou: se o conhecer não é instrumento de nossa atividade, mas, de certa maneira, um meio passivo mediante cujo intermédio a luz da verdade nos alcança, então também assim não obtemos a verdade tal como é em si, mas tal como é nesse meio e mediante a ele. Fazemos uso, em ambos os casos, de um meio que produz imediatamente o contrário do seu fim; ou: o contrassenso está antes em nos servirmos de um meio. Por certo, parece possível obviar esse mal mediante o conhecimento dos efeitos da ação do instrumento, pois tal conhecimento torna possível subtrair ao resultado a parte que cabe ao instrumento na representação do absoluto que obtemos mediante ele, obtendo assim o verdadeiro em sua pureza. Só que, de fato, esse melhoramento somente nos levaria de volta ao lugar em que nos encontrávamos anteriormente. Se retirarmos de uma coisa enformada o que o instrumento lhe acrescentou, então a coisa – aqui: o absoluto – é para nós tal qual era antes desse esforço assim supérfluo. Devesse o absoluto ser tão só aproximado de nós mediante o instrumento, sem que nada nele se alterasse, tal como o pássaro mediante o visgo, ele bem zombaria dessa astúcia, já não estivesse e não quisesse ele estar em nós tal como é em si mesmo e para si mesmo; pois o conhecer seria nesse caso uma astúcia, já que, mediante seu esforço múltiplo, dá-se ares de fazer coisa inteiramente diversa de apenas produzir uma conexão imediata e, portanto, sem esforço. Ou: se o exame do conhecer, que se nos representado como um meio, dá-nos a conhecer a lei de sua refração, de nada nos adianta subtraí-la do resultado; pois o conhecer não é refração do raio de luz, mas o raio mesmo, por intermédio do qual a verdade nos toca, e, subtraído o conhecer, só designaria a pura direção ou o lugar vazio. [NOBRE, 2018, p.84 a 86]

NOBRE, Marcos. Como nasce o novo: Experiência e diagnostico de tempo na Fenomenologia do Espírito de Hegel: São Paulo: Todavia, 2018, 344 páginas.

 

O problema do ensino de filosofia não é um problema à priori

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Como tá difícil pensar algo produtivo nessa enrascada que o Brasil se enterrou. E que tende a ser pior depois do dia 7 ou 30. Preferi repensar um velho texto onde discuto o ensino de filosofia. O qual possivelmente deve ser novamente retirado das grades, quando deveria ser o primeiro, o principal, o que organiza todas as outras matérias. Mas isso seria apenas um sonho. Nada palpável num país em que a educação serve para reproduzir, não para criar, pensar.

Deste modo acredito que o problema do ensino de filosofia não é um problema à-priori, muito ao contrário é construído no seu dia-a-dia, assim como a percepção deste e sua apreensão, entendimento e racionalização. Pelo mesmo motivo não é possível nenhuma solução outra que a compreensão do problema e uma consequente mudança de atitude provocada pela própria compreensão do problema.

Para (GELAMO, 2009) a origem dos problemas do ensino de filosofia é o estranhamento causado pela defasagem entre expectativas e realidades e, sobretudo entre as próprias realidades.  Há uma discrepância entre a expectativa de respostas do professor de filosofia e os retornos dados por seus alunos. A mesma diferença de expectativas se encontra no sentido contrário. Mas as maiores inconformidades estão no próprio modelo consagrado da educação de filosofia que historicamente construída chegou ao modelo atual onde a filosofia está inserida nos mais diversos cursos como um mero requintamento dos profissionais, uma tentativa de lhes dar uma mínima razão crítica, através de um currículo que a mantém isolada sem nenhum dialogo com as outras matérias dos diversos cursos.

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