Com a proximidade das eleições, achei interessante trazer a parte inicial de uma análise sobre o livro de um especialista em Aristóteles que disseca Ética à Nicômaco, o mais importante livro sobre ética já publicado:
O tratado da virtude moral (Ética Nicomaquéia I13 – III8) introduz um conceito original e caro a Aristóteles: a escolha deliberada, de onde ele pode fundamentar sua ética. Aristóteles introduz um conceito que era estranho aos gregos e, de certa forma, mais estranho ainda a todos nós: uma escolha não entre opções predeterminadas. Aristóteles não ignora que muitas vezes os fins estão já predeterminados e que podemos não escolher os fins últimos de nossas ações, mas temos a liberdade de escolher como fazê-lo, que meios utilizar.
A deliberação nos permite fazer escolhas boas ou más, sábias ou ignorantes, justas ou injustas. Para fazer boas escolhas é preciso mais do que sejamos moralmente virtuosos, é preciso que tenhamos uma virtude intelectual, a phronêsis, no grego, traduzida com alguma perda como prudentia para o latim. A prudência só se adquire com a experiência. Por essa razão que Aristóteles acredita que os jovens tendem a não saber deliberar adequadamente, embora possam deliberar bem, porque Aristóteles crê que mesmo quem não é virtuoso pode (acidentalmente?) fazer o bem. O que o filosofo estagirita não acredita é que as pessoas tenham uma disposição em agir bem sem a experiência. O que é um argumento forte, pois disposição só pode ser entendida como uma mesma ação moral repetida de modo que possamos dizer que há uma tendência ou disposição a agir moralmente daquela maneira.
A ética, como a política, para Aristóteles são ciências práticas, portanto, embora busquem o saber com a finalidade de legarem aos homens meios conducentes à perfeição moral não aspiram ao verdadeiro, mas ao verossimilhante, ao razoável (note que razoável vem de razão), ao possível. A própria política (de polis), que subentende viver na cidade e, portanto desejar o melhor à cidade, não pode existir sem a ética, pois a cidade para ser boa (de se viver) necessita de cidadãos virtuosos, isto aparece claro no livro sétimo de A Política:
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5 (…) Uma república só pode ser virtuosa quando os próprios cidadãos que tomam parte do governo são virtuosos; ora, em nosso sistema, todos os cidadãos tomam parte do governo. Assim, trata-se de ver como um homem pode tornar-se virtuoso. Sendo possível formar na virtude todos os homens ao mesmo tempo, sem tomar à parte cada cidadão, tal é o melhor partido; porque o geral arrasta o particular.
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6 Três coisas fazem os homens bons e virtuosos: a natureza, os costumes e a razão. Primeiramente, é preciso que a natureza faça nascer homem e não outra espécie qualquer de animal. É preciso também que ela dê certas qualidades de alma e de corpo. Muitas dessas qualidades não têm utilidade alguma; porque os costumes fazem com que elas mudem e se modifiquem. Os costumes desenvolvem, por vezes, as qualidades naturais, dando-lhes tendência para o bem ou para o mal.
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7 (…) Dissemos anteriormente quais são as qualidades que eles devem ter para que o legislador possa formá-las facilmente; o resto é função da educação. Ora é o hábito, ora são as lições dos mestres que ensinam aos homens o que eles devem fazer. (Aristóteles, 2009, p. 253 e 254).
A própria ideia de deliberação implica a noção de responsabilidade à qual Aristóteles ressalta em 1113b12-14: “Se está em nosso poder fazer as coisas belas e as desonrosas, e similarmente o não fazer, e se é isto sermos bons e sermos maus, está em nosso poder, por conseguinte, sermos equitáveis e sermos maus” (Zingano, 2008). Portanto, a escolha e a responsabilidade é nossa por realizar ações ou não realizá-las, qualquer que seja a natureza da ação.
Referências
ARISTOTELES. A politica; tradução Nestor Silveira Chaves. – 2ª ed.rev. Bauru, SP: Edipro, 2009.
ZINGANO, Marco. Ethica Nicomachea I 13 – III 8. Tratado da Virtude Moral. São Paulo: Odysseus, 2008.