Sobre a leitura

friends-taking-selfie_925x

Uma coisa é que se tem uma notícia de que nunca tenha contato ou experiência. Outra coisa é uma história sobre algum acontecimento que presenciamos ou até que participe. No primeiro caso já nos mostramos já prontos, muitas vezes com uma explicação plausível já pronta e disponível para que haja crer. No segundo, temos uma visão mais crítica do testemunho de porque não somos informados do fato, mas lemos como foi tratado o evento.

Assim, o público – a sociedade – é cotidiana e sistematicamente colocado à frente de uma realidade artificialmente, é a imprensa que contradiz, se opõe e frequentemente se superpõe e domina uma realidade real que vive e conhece. Como o público é fragmentado ou não como telespectador individual, ele só percebe uma contradição quando se trata da parcela infinitesimal da realidade que é protagonista, testemunha ou agente direta, e que, portanto conhece. A imensa parte da realidade, a capta do meio da imagem artificial e a irreal da realidade da palavra; Essa é, justamente, uma parte da realidade que não é aprendida diretamente, mas aprende por conhecimento. (ABRAMO, 2003, p.24)

Quando o mundo não era tão globalizado e a imprensa tinha um maior interesse pelo local e como as cidades eram pequenas poderíamos dizer que um pouco de experiência, repetidas vezes, seria uma consciência crítica que, consequentemente, faria um caminho de leitura, mas tal fato inexistia nós somos frequentemente informados de algo que nunca nos demos conta ou que não é uma saída de notícias que sabe sua existência. A desvinculação da notícia com uma experiência do leitor leva-o a duas atitudes possíveis: acreditando ou desacreditando, sem ter, por vezes, qualquer indício ou sinal que abone ou desabone algumas das duas atitudes, produz-se um maniqueísmo.

O problema do ensino de filosofia não é um problema à priori

drop-3698073_640

Como tá difícil pensar algo produtivo nessa enrascada que o Brasil se enterrou. E que tende a ser pior depois do dia 7 ou 30. Preferi repensar um velho texto onde discuto o ensino de filosofia. O qual possivelmente deve ser novamente retirado das grades, quando deveria ser o primeiro, o principal, o que organiza todas as outras matérias. Mas isso seria apenas um sonho. Nada palpável num país em que a educação serve para reproduzir, não para criar, pensar.

Deste modo acredito que o problema do ensino de filosofia não é um problema à-priori, muito ao contrário é construído no seu dia-a-dia, assim como a percepção deste e sua apreensão, entendimento e racionalização. Pelo mesmo motivo não é possível nenhuma solução outra que a compreensão do problema e uma consequente mudança de atitude provocada pela própria compreensão do problema.

Para (GELAMO, 2009) a origem dos problemas do ensino de filosofia é o estranhamento causado pela defasagem entre expectativas e realidades e, sobretudo entre as próprias realidades.  Há uma discrepância entre a expectativa de respostas do professor de filosofia e os retornos dados por seus alunos. A mesma diferença de expectativas se encontra no sentido contrário. Mas as maiores inconformidades estão no próprio modelo consagrado da educação de filosofia que historicamente construída chegou ao modelo atual onde a filosofia está inserida nos mais diversos cursos como um mero requintamento dos profissionais, uma tentativa de lhes dar uma mínima razão crítica, através de um currículo que a mantém isolada sem nenhum dialogo com as outras matérias dos diversos cursos.

Continuar lendo O problema do ensino de filosofia não é um problema à priori

Ética: primeiro da maioria, dos eleitores

girl-2739674_1280

Com a proximidade das eleições, achei interessante trazer a parte inicial de uma análise sobre o livro de um especialista em Aristóteles que disseca Ética à Nicômaco, o mais importante livro sobre ética já publicado:

O tratado da virtude moral (Ética Nicomaquéia I13 – III8) introduz um conceito original e caro a Aristóteles: a escolha deliberada, de onde ele pode fundamentar sua ética. Aristóteles introduz um conceito que era estranho aos gregos e, de certa forma, mais estranho ainda a todos nós: uma escolha não entre opções predeterminadas. Aristóteles não ignora que muitas vezes os fins estão já predeterminados e que podemos não escolher os fins últimos de nossas ações, mas temos a liberdade de escolher como fazê-lo, que meios utilizar.

A deliberação nos permite fazer escolhas boas ou más, sábias ou ignorantes, justas ou injustas. Para fazer boas escolhas é preciso mais do que sejamos moralmente virtuosos, é preciso que tenhamos uma virtude intelectual, a phronêsis, no grego, traduzida com alguma perda como prudentia para o latim. A prudência só se adquire com a experiência. Por essa razão que Aristóteles acredita que os jovens tendem a não saber deliberar adequadamente, embora possam deliberar bem, porque Aristóteles crê que mesmo quem não é virtuoso pode (acidentalmente?) fazer o bem. O que o filosofo estagirita não acredita é que as pessoas tenham uma disposição em agir bem sem a experiência. O que é um argumento forte, pois disposição só pode ser entendida como uma mesma ação moral repetida de modo que possamos dizer que há uma tendência ou disposição a agir moralmente daquela maneira.

A ética, como a política, para Aristóteles são ciências práticas, portanto, embora busquem o saber com a finalidade de legarem aos homens meios conducentes à perfeição moral não aspiram ao verdadeiro, mas ao verossimilhante, ao razoável (note que razoável vem de razão), ao possível. A própria política (de polis), que subentende viver na cidade e, portanto desejar o melhor à cidade, não pode existir sem a ética, pois a cidade para ser boa (de se viver) necessita de cidadãos virtuosos, isto aparece claro no livro sétimo de A Política:

  • 5 (…) Uma república só pode ser virtuosa quando os próprios cidadãos que tomam parte do governo são virtuosos; ora, em nosso sistema, todos os cidadãos tomam parte do governo. Assim, trata-se de ver como um homem pode tornar-se virtuoso. Sendo possível formar na virtude todos os homens ao mesmo tempo, sem tomar à parte cada cidadão, tal é o melhor partido; porque o geral arrasta o particular.

  • 6 Três coisas fazem os homens bons e virtuosos: a natureza, os costumes e a razão. Primeiramente, é preciso que a natureza faça nascer homem e não outra espécie qualquer de animal. É preciso também que ela dê certas qualidades de alma e de corpo. Muitas dessas qualidades não têm utilidade alguma; porque os costumes fazem com que elas mudem e se modifiquem. Os costumes desenvolvem, por vezes, as qualidades naturais, dando-lhes tendência para o bem ou para o mal.

  • 7 (…) Dissemos anteriormente quais são as qualidades que eles devem ter para que o legislador possa formá-las facilmente; o resto é função da educação. Ora é o hábito, ora são as lições dos mestres que ensinam aos homens o que eles devem fazer. (Aristóteles, 2009, p. 253 e 254).

A própria ideia de deliberação implica a noção de responsabilidade à qual Aristóteles ressalta em 1113b12-14: “Se está em nosso poder fazer as coisas belas e as desonrosas, e similarmente o não fazer, e se é isto sermos bons e sermos maus, está em nosso poder, por conseguinte, sermos equitáveis e sermos maus” (Zingano, 2008). Portanto, a escolha e a responsabilidade é nossa por realizar ações ou não realizá-las, qualquer que seja a natureza da ação.

Referências

ARISTOTELES. A politica; tradução Nestor Silveira Chaves. – 2ª ed.rev. Bauru, SP: Edipro, 2009.

ZINGANO, Marco. Ethica Nicomachea I 13 – III 8. Tratado da Virtude Moral. São Paulo: Odysseus, 2008.

É possível ensinar o desejo de filosofar na educação básica?

olive-tree-3579922_640

Ensinar a desejar, amar, gostar ou apreciar é sempre uma intervenção na subjetividade assaz complicada, beirando o impossível. Mas frequentemente aprendemos a gostar de um prato, um time, a desejar a chegada de um dia. Tudo isso ocorre de diversas formas: podemos ser obrigados a comer um prato que não queríamos provar, mas que acabamos gostando; da mesma forma podemos ir seqüentemente ao estádio com nosso pai ou nosso avô e acabar se apaixonando pelo time de um ou de outro; ou por outras inúmeras formas. Entretanto a insistência e o exemplo geralmente são as atitudes que tem o maior sucesso.

A filosofia é uma atividade específica que prescinde da leitura, aliás, depende fundamentalmente dela. É necessário então ensinar os alunos a lerem os textos e a lerem o mundo através dos textos ou das críticas a eles. Essa mesma deve ser ensinada pelo exemplo, preferencialmente, mas se não for possível pela insistência. A questão do exemplo mesmo como forma de filosofar é muito clara nos primórdios da filosofia, se formos pensar no Sócrates platônico para o qual filosofar é a própria vida. E sua vida não se diferencia do filosofar.

Continuar lendo É possível ensinar o desejo de filosofar na educação básica?

Por um novo ensino III

will-rabbitt-788325-unsplash.jpg
Foto: Will Rabit em Unsplash

 

Parece irônico, mas aparentemente a salvação do ensino passa pela desescolarização. O professor sempre foi tido como um extensor do conhecimento aos alunos (seres sem luz). Mesmo nos métodos mais modernos como o construtivismo de Piaget ou Ferrero ou o sócio-interacionismo de Vygotsky, o professor não consegue ser menos que um mediador que abdica dos poderes monocráticos que detém. Ou seja, embora o ensino possa focar no aprendizado fica preso no que é determinado pra ensinar no período. Na verdade, a realidade é muito pior, porque, a não ser na educação infantil, raríssimas são as escolas que adotam de fato essas pedagogias contemporâneas. Na maioria é apenas um verniz muitíssimo fino que não faz a menor diferença. Continuar lendo Por um novo ensino III

Por um novo ensino II

asphalt-highway_4460x4460
Foto: Brodie Vissers do Burst

Um novo ensino que seja construção de todos os atores participantes do processo educativo não deve ter um currículo fixo. É preciso que tenha a flexibilidade para atender as necessidades dos diversos processos educativos adequados a explorar as potencialidades dos diversos indivíduos e grupos existentes dentro dos diversos espaços formais de educação. Os professores para tal necessitarão ter dedicação exclusiva à uma instituição, com remuneração compatível a que não exerça nenhuma outra atividade, senão não conseguirão cumprir a função de professores pesquisadores da sua própria atividade numa pesquisa-ação que modifica continuamente os seus ofícios.

Deste modo a própria proposta do ministério da educação de flexibilizar os currículos por área, deixando que cada escola decida como construir o seu currículo particular, parece muito interessante. Pode melhorar enormemente a educação. Por outro lado, a valer o comodismo que costuma operar nas escolas e colégios pode ser extremamente danoso quando usada a flexibilidade pra simplesmente enxugar o currículo, o numero de matérias e os professores destas. Toda ideia excelente tem seu lado tenebroso. Continuar lendo Por um novo ensino II

Por um novo ensino

rooftopper-looking-down_925x

Hoje no Brasil, apesar dos floreios de escolas que dizem seguir os modelos contemporâneos de educação (Piaget, Vygotsky, Montessori e outros variantes como Ferrero), a grande maioria dos estabelecimentos de ensino na verdade seguem o modelo tradicional que se baseia na transmissão de conhecimento. Um ensino notadamente bancário: o professor deposita seus conhecimentos em alunos que como tal não detêm nenhum conhecimento. Por essa razão professor e aluno não podem construir conjuntamente o saber. Essa construção não tem a menor lógica, pois o saber já está pronto (por isso é tradicional, pois pretende tão somente reproduzir a realidade existente) e considera-se que o aluno não sabe nada, portanto, não pode ajudar.

Há um descompasso no Brasil entre as expectativas do ensinar e do aprender. Esse descompasso é em grande parte provocado por um uso cego, sem adaptação, dos currículos. Outra parte pela manutenção de um modelo conservador de ensino que não leva em conta o aprendizado, mas somente o ensino. Em outras palavras, o ritual é cumprido de forma que o foco está em ensinar os conteúdos, não em verificar o que está sendo aprendido. Esse modelo de educação tradicional e focado nos currículos é um modelo geral da educação. Continuar lendo Por um novo ensino