Mais um poema do supracitado bem futuro livro

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Foto da Matthew Henry do Burst

Eis aqui mais um dos possíveis poemas (afinal quase tudo é poesia) de um possível Caderno para Heloiza, sem data para ser publicado. Talvez o principal de uns três livros que devo trabalhar uns dez anos pra chegar a termo. Obviamente estes textos poderão, e serão, constantemente modificados até lá:

Essa tua liberdade me corta

Atravessa arrogantemente minha razão

Minha razão é você

Mas tua imagem me faz delirar

Sonho como            que acordado

De acordo com os teus suspiros

Quem dera que fossem por mim

Mas o são por tédio ou alívio

(os suspiros pra festa de aniversário)

Dois poemas de um talvez futuro livro

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Foto da Matthew Henry do Burst

Na falta de escrever algo que valha a pena ser lido, eis aqui dois possíveis poemas (afinal quase tudo é poesia) de um possível Caderno para Heloiza, sem data para ser publicado. Talvez o principal de uns três livros que devo trabalhar uns dez anos pra chegar a termo. Obviamente estes textos poderão, e serão, constantemente modificados até lá:

Os pássaros abandonam o chão
A vida se desgasta no abrir de cada sépala
da Margarida esmorecida
pela dor de embelezar o universo
O verso? O poeta perde o verso
A cada hemorragia da veia literária
Que pulsa na veemência da dor acumulada

Nessa densa floresta

De assombrosa complexidade

Solto meus bichos

Um a um

Sem querer empatar nada

Na volúpia do teu relevo

Relevo minhas dores

Sonho peregrinar

Devaneio tua perfeição

Enquanto desfruto do máximo prazer

De tocar tua estrada célula a célula

Num angustiante passeio

Romaria, devoção

É preciso cultuar cada milimétrico lugar

Que és

Que sonho

Que é a vida.

 

Carta à Dani (3ª)

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Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
[…]
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Querida Dani,

As epistolas ou cartas são sempre grandes indícios do modo de pensar de cada escritor. Por meio delas podemos conhecer como concebem o mundo. Não pelo que escrevem, mas pelo como escrevem, o que deixam de dizer, o que desejam que entendamos, como se colocam na conversa, como propõe a posição do receptor, que estado, atitude e distancia relegam ao destinatário.

Desse modo, Deleuze e Guattari no livro Kafka, por uma literatura menor mostram como Kafka e Proust operam em suas cartas. O livro é muito interessante sobretudo o capítulo que contém os trechos que recorto, mas seria muito  inadequado colocar maiores trechos por aqui. Assim tentei resumir o mínimo nestes:

Toda carta é uma carta de amor, aparente ou real; as cartas de amor podem ser atraentes, repulsivas, de reprovação,  de compromisso, de proposta, sem que isso mude nada em sua natureza; elas fazem parte de um pacto com o diabo, que conjura o contrato com deus, com a família ou com o ser amado. Mas, mais precisamente, a primeira característica das cartas, troca ou duplicação dos dois sujeitos aparece completamente em Proust, o sujeito de enunciado assumindo todo o  movimento enquanto que o sujeito da enunciação permanece deitado, no canto de sua teia como uma aranha (o devir-aranha de Proust). Em segundo lugar, as topografias de obstáculos e as listas de condições são elevadas muito alto por Proust, como funções da carta, a ponto de o destinatário não compreender mais se o autor deseja sua vinda, um dia a desejou, rejeita-o para atraí-lo ou o inverso: a carta escapa a toda recognição, do tipo lembrança, sonho ou foto, tornando-se um mapa severo de caminhos a tomar ou a evitar, um plano de vida estritamente condicionado.

[…]

Mas, com vampirismo igual, com ciúme igual, as diferenças são grandes entre Proust e Kafka, e não se atêm somente ao estilo mundano-diplomático de um, jurídico-procedimental do outro. Trata-se para todos dois de evitar, pelas cartas, a proximidade específica que caracteriza a relação conjugal, e constitui a situação de ver e ser visto. […] Importa pouco, a este respeito, que a “conjugalidade” seja oficial ou não, que ela seja heterossexual ou homossexual. Mas, para conjurar a proximidade, Kafka mantém e entretém a distância espacial, a posição longínqua do ser amado: também é ele que se coloca como prisioneiro (prisioneiro de seu corpo, de seu quarto, de sua família, de sua obra, e multiplica os obstáculos que o impedem de ver ou de se reunir ao amado. Em Proust, ao contrário, a mesma conjuração se faz no sentido inverso: atingir-se-á o imperceptível, o invisível, exagerando a proximidade, fazendo dela uma proximidade carcerária. A solução Proust é a mais estranha: ultrapassar as condições conjugais da presença e da visão… por aproximação excessiva. Ver-se-á tanto menos quanto mais se estiver perto. É, portanto, Proust o carcereiro, enquanto o ser amado está em prisão contígua. O ideal das cartas de Proust consiste, então, em pequenos bilhetes passados sob a porta. (DELEUZE, 2017, p.65 a 67)