Romantizar o mundo?

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A grande maioria dos contos de fada foram adaptações de histórias malfadadas adultas, em grande parte contos de terror. Enredos carregados de uma moralidade que se achou interessante repassar às crianças como não passear na floresta sozinho, não acreditar em estranhos, não ceder à gula… mas que precisavam ter sobretudo seus finais mudados porque eram sangrentos e, portanto, não poderiam ser contadas em suas versões originais às crianças. A solução foi trocar uma passagem metafisica por outra: trocou-se o que era quase sempre a morte pela redenção romântica. Em todas as narrativas a redenção se faz pela troca da aventura, da ousadia pela estabilidade do amor romântico. Fenômeno que nos encanta e engana. Cansamos de ouvir e ler histórias como Abelardo e Heloiza e outras histórias impossíveis que tentam nos convencer que o amor romântico é atemporal. Mas cabe nos lembrar que qualquer pessoa que tenha estudado um mínimo muito mínimo mesmo de antropologia sabe que o amor romântico é datado: nasce e, embora seja controverso, talvez morre na idade moderna.

Toda a estabilidade do amor romântico é mantida por uma hierarquia quase feudal. Daí porque muitos asseverem que na modernidade tardia o amor romântico é tido como morto ou tenha se tornado somente um simulacro. Pois embora seja apreciado o cavalheirismo (de cavalheirismo, dos cavaleiros que salvam damas indefesas porque eles podem e elas não podem), o pano de fundo do ato que é a demonstração de poder não é apreciada, possivelmente até repudiada. As flores colhidas, os bouquets (tento usar o termo francês mesmo termo usado pra mistura de odores dos vinhos), são recolhidas por damas e ofertado aos cavaleiros que os ofertam a outras damas de maior estatuto como as filhas do senhor feudal.

Ou seja, o romantismo se baseia na tutela da dama incapaz e, pior que nem sequer pode mediar suas ações (o caso das flores colhidas). As flores que seriam um gracejo ao cavaleiro com o que podem e tem, mas se torna um agrado do cavaleiro à outra dama ou outras damas. Desde a modernidade tardia e o desenvolvimento de um setor de serviços posterior á industrialização e da própria industrialização desaparece toda necessidade econômica da tutela de mulheres e menores. Muito pelo contrário, é preciso cada vez mais a autonomização pelo menos econômica de cada indivíduo. Assim numa família de quatro pessoas não há apenas um consumidor, mas quatro. Vejam nem toquei em preconceitos como o machismo e de como a emancipação sexual nos anos 60 mudaram isso. Fatores que influenciaram muito mais fortemente na criação de vários feminismos, das varias buscas pela igualdade. Estes muito mais fortes no combate a essa submissão que é a base do romantismo.

Poxa! Cara! Você tá querendo dizer que essa coisa toda que há por aí não é romantismo? Bom… chamemos do que quiser, mas quando analisamos atentamente vemos que é muito mais um simulacro, pois não estamos a fim de pagar todos os custos dele. Não adianta alguém argumentar, por mais passiva e cordata que seja uma mulher hoje em dia, ela não aceitará a submissão que uma mulher da idade moderna aceitava. Deste modo, os contos de fada pregam uma ilusão perigosa: a de que em nome da segurança, a mocinha deve renunciar a própria vida. Sim, mudaram os contos de fada. As mocinhas não morrem mais. Mas renunciam a viver, a se aventurar pela segurança de uma vida aceita pela sociedade, pela submissão á uma hierarquia. Saem da vida real e caem na metafisica. 

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